Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste. Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação
que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
Com a mesma rapidez que um botão de camisa ou
que um seixo da praia? Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las-,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor
que era tudo tal e qual conforme suas eminências desejaram,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu
pensamento livre e calma, aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores
deste pequeno mundo que assim mesmo, empertigados nos seus
cadeirões de braços, andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisavam de
sofrer, homens ditosos a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos, enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas, foram caindo,
caindo caindo caindo
caindo sempre,
e sempre
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
ANTÓNIO GEDEÃO, Obra Poética